Autor: Paulo Ivo Rodrigues Neto
Por muito tempo, os brasileiros ouviram que “a lei é para todos”. Mas nem sempre essa promessa parece se cumprir da mesma forma para todos os lados de um processo. Um caso recente no Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona uma pergunta que não quer calar: a Justiça trata acusação e defesa com o mesmo rigor?
Durante uma audiência em maio de 2025, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, cometeu um deslize. Ao fazer uma pergunta indevida a uma testemunha — algo que a lei não permite —, ele percebeu o erro e murmurou, achando que o microfone estivesse desligado: “Fiz uma cagada agora.” O comentário foi captado pelo áudio e viralizou.
Até aí, poderia ser só uma gafe. Mas o problema é que a mesma pergunta já havia sido feita momentos antes pela defesa, e foi imediatamente cortada com firmeza pelo ministro Alexandre de Moraes, que preside os inquéritos ligados aos atos de 8 de janeiro. Quando Gonet, representando a acusação, repetiu a pergunta, Moraes apenas pediu que ele a reformulasse — sem o mesmo tom severo usado contra a defesa.
E mais: Moraes ordenou que a fala do procurador fosse apagada da gravação oficial da audiência e retirada da transcrição. O argumento? A fala era inapropriada. Mas será que seria apagada se tivesse partido de um advogado de defesa?
O que é isonomia — e por que ela importa
Isonomia significa igualdade de tratamento. No mundo jurídico, isso quer dizer que nenhuma das partes em um processo — seja o acusado, seja o acusador — deve ter privilégios ou desvantagens. O juiz deve manter distância emocional e técnica de ambos os lados. Quando essa balança se inclina, o risco não é só de injustiça, mas de desconfiança na Justiça como um todo.
No caso em questão, não se trata apenas de uma frase inconveniente dita no calor do momento. A decisão de suavizar o tratamento dado ao procurador e ainda proteger sua imagem, enquanto a defesa foi tratada com maior rigidez, levanta uma séria dúvida sobre imparcialidade.
Dois pesos, duas medidas?
Esse não é um episódio isolado. Casos anteriores já mostraram como tratamentos desiguais entre defesa e acusação podem comprometer processos inteiros.
Na Operação Lava Jato, por exemplo, o então juiz Sérgio Moro foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal ao manter comunicação fora dos autos com os procuradores da acusação, o que acabou anulando condenações e gerando uma crise na imagem da operação.
Já o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, foi elogiado por manter dureza e isenção com todos os envolvidos, independentemente do lado político ou jurídico. Sua conduta fortaleceu a ideia de que o STF podia ser um tribunal técnico, e não político.
Esses dois exemplos mostram que não basta ser legalista — é preciso parecer justo aos olhos do público. Quando o juiz age de forma desigual, mesmo com base na lei, a credibilidade da Justiça fica ameaçada.
Quando proteger a autoridade ameaça a Justiça
O episódio envolvendo Moraes e Gonet pode parecer pequeno diante dos grandes escândalos políticos, mas ele revela algo maior: a tendência de blindar figuras de autoridade mesmo quando cometem falhas, enquanto se exige perfeição — e se pune duramente — aqueles que estão do outro lado do balcão.
Apagar o áudio de Gonet, ignorar a irregularidade de sua pergunta e não aplicar a mesma reprimenda que aplicou à defesa não ajuda a Justiça — enfraquece-a.
Reflexão final: o que esperamos da Justiça
A Justiça brasileira está num momento delicado. Ao lidar com casos politicamente sensíveis, o Supremo Tribunal Federal tem a responsabilidade de não apenas julgar corretamente, mas também transmitir confiança à população. Isso só acontece quando o princípio da isonomia é seguido sem exceções, sem preferências e sem condescendência com a acusação ou com figuras de alto escalão.
O Brasil já entendeu que Justiça parcial é Justiça falha. O episódio de Moraes e Gonet é um alerta: a imparcialidade não pode ser negociada — nem mesmo em nome do bom convívio institucional.