Bittencourt & Rodrigues Advocacia

Paulo Ivo Rodrigues Neto – OABPR 68493


Por Paulo Ivo Rodrigues Neto

O presente artigo analisa os conceitos de compliance e governança corporativa no contexto do direito empresarial brasileiro, demonstrando suas diferenças, interações e os modelos societários em que sua adoção é obrigatória ou recomendável. Diante de um ambiente regulatório mais exigente e da crescente relevância da ética e da transparência, compreender essas estruturas é essencial para a sustentabilidade jurídica e econômica das empresas.

Palavras-chave: Direito Empresarial, Governança Corporativa, Compliance, Sociedades Empresárias, Modelos Societários.

1. Introdução

No cenário empresarial contemporâneo, marcado por intensa regulação e vigilância institucional e social, a adoção de mecanismos de governança e compliance tornou-se um requisito quase imprescindível para empresas que buscam perenidade, segurança jurídica e reputação no mercado.

Ao lado da evolução das estruturas societárias, principalmente das sociedades anônimas e limitadas, o ordenamento jurídico brasileiro passou a valorizar práticas que assegurem não apenas o cumprimento das leis, mas também a transparência, a equidade e a responsabilidade corporativa.


2. Conceito de Compliance

O termo “compliance” advém do verbo inglês to comply, significando “agir conforme” ou “estar em conformidade”. No ambiente corporativo, refere-se ao conjunto de mecanismos internos que visam garantir que a empresa atue de acordo com as normas legais, regulatórias e éticas aplicáveis à sua atividade.

Segundo LUCON e GRINOVER (2017), compliance envolve tanto a prevenção de infrações quanto a promoção de uma cultura organizacional voltada à integridade. Um programa de compliance deve compreender:

  • Mapeamento e avaliação de riscos;
  • Códigos de conduta e políticas internas;
  • Treinamentos e capacitação contínua;
  • Canais de denúncia;
  • Auditorias internas e medidas corretivas.

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) impulsionou a institucionalização do compliance no Brasil, especialmente no setor privado, ao prever sanções administrativas e civis severas para atos lesivos à administração pública.


3. Governança Corporativa: Estrutura e Finalidade

Governança corporativa, por sua vez, diz respeito ao sistema pelo qual as empresas são dirigidas, administradas e controladas. Visa estabelecer um equilíbrio entre os interesses dos diversos stakeholders, incluindo sócios, administradores, credores, empregados, fornecedores e a sociedade em geral.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define como princípios básicos da boa governança:

  • Transparência;
  • Equidade;
  • Prestação de Contas (accountability);
  • Responsabilidade Corporativa.

Esses princípios são operacionalizados por meio de estruturas como conselhos de administração, conselhos fiscais, comitês de auditoria e políticas de conduta e sustentabilidade. A governança é, portanto, mais ampla que o compliance: ela estrutura o poder e os processos decisórios na organização.


4. Diferenças entre Compliance e Governança

Embora frequentemente tratados em conjunto, compliance e governança não se confundem. Suas diferenças centrais podem ser assim resumidas:

ElementoComplianceGovernança Corporativa
FocoConformidade com normasEstrutura de poder e decisão
NaturezaTécnica, normativaEstratégica, organizacional
InstrumentosCódigos, auditorias, treinamentosConselhos, comitês, regimentos
FinalidadeEvitar ilícitos e riscos legaisGarantir direção eficaz e sustentável
AbrangênciaMais operacionalMais institucional

Contudo, ambos compartilham um objetivo comum: proteger a empresa e seus ativos, promovendo integridade, segurança e confiança institucional.


5. Modelos Societários e a Aplicação Obrigatória ou Recomendável

A exigência formal de compliance e governança corporativa varia de acordo com o modelo societário adotado:

5.1. Empresário Individual, SLU e EIRELI

Não há exigência legal de adoção de práticas formais de compliance ou governança. Entretanto, empresas inseridas em setores regulados (como saúde, fintechs ou transportes) devem adotar controles internos, sob pena de sanções administrativas e reputacionais.

5.2. Sociedades Limitadas (LTDA)

Não existe obrigatoriedade legal de estruturas formais de governança. Contudo, a adoção de práticas como acordos de sócios, conselhos consultivos, auditorias independentes e códigos internos é cada vez mais comum, sobretudo em empresas com múltiplos sócios ou participação de fundos de investimento.

5.3. Sociedades Anônimas (S/A)

A Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.) impõe estrutura de governança mais complexa. Nas companhias abertas e em sociedades com controle de entidades reguladoras como Banco Central ou CVM, a presença de conselhos de administração, comitês, auditoria independente e programas de compliance é obrigatória.

5.4. Empresas Estatais e Sociedades de Economia Mista

A Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) tornou obrigatória a implantação de estruturas de governança e integridade, prevendo mecanismos mínimos como comitês de auditoria, canais de denúncia e regras rígidas para nomeação de dirigentes.


6. Importância Estratégica

Empresas que negligenciam governança e compliance enfrentam riscos significativos: multas, ações judiciais, perda de contratos e, sobretudo, dano reputacional. Casos emblemáticos como os revelados pela Operação Lava Jato evidenciam o impacto de práticas irregulares na sustentabilidade empresarial.

Além da prevenção, esses mecanismos agregam valor. Investidores, instituições financeiras e órgãos públicos cada vez mais exigem comprovações formais de integridade e governança como pré-requisito para relações comerciais.


7. Conclusão

A implementação de sistemas de compliance e governança corporativa deixou de ser um luxo das grandes empresas. Representa, hoje, uma exigência jurídica, estratégica e ética para qualquer organização que deseje crescer com segurança, eficiência e reputação.

Mesmo nos modelos societários em que tais estruturas não são obrigatórias por lei, recomenda-se sua adoção progressiva como sinal de maturidade institucional e de compromisso com a integridade corporativa.


Referências

  • BRASIL. Lei nº 6.404/1976. Dispõe sobre as sociedades por ações.
  • BRASIL. Lei nº 12.846/2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
  • BRASIL. Lei nº 13.303/2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista.
  • IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.
  • LUCON, Paulo Henrique dos Santos; GRINOVER, Ada Pellegrini. Compliance: aspectos jurídicos e institucionais. São Paulo: RT, 2017.
  • PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2022.