Por Paulo Ivo Rodrigues Neto
A Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária, foi celebrada como um avanço estrutural para simplificar o sistema fiscal brasileiro. O discurso público concentrou-se na unificação de tributos, na promessa de neutralidade e na redução da burocracia.
No entanto, uma questão pouco debatida começa a emergir: a automatização da arrecadação dos novos tributos — IBS e CBS — trará consigo uma nova forma de responsabilização penal para contribuintes e gestores que, mesmo sem intenção, não efetuarem o recolhimento devido.
Com o modelo de cobrança automática e integração digital dos fiscos, o não repasse ou a falha no recolhimento poderá configurar crime contra a ordem tributária, equiparando-se ao “apropriar-se de valores de terceiros” — como já ocorre com o ICMS declarado e não pago, após o entendimento firmado pelo STF.
A lógica do IBS e da CBS baseia-se em transações digitais integradas e recolhimento automático, muitas vezes intermediado por plataformas, instituições financeiras ou sistemas fiscais eletrônicos.
Com isso, a figura tradicional do “lançamento por homologação” perde espaço para um modelo em que o próprio sistema calcula e exige o tributo — o contribuinte apenas confirma e paga.
Essa transição, aparentemente benéfica, traz um ponto de inflexão: a inadimplência deixa de ser mera omissão contábil e passa a ser descumprimento direto de obrigação automatizada, facilmente identificável e imputável ao responsável legal da empresa.
Da inadimplência civil à infração penal
O precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal em 2019 consolidou o entendimento de que deixar de repassar ICMS declarado configura crime de apropriação indébita tributária, ainda que sem fraude, dolo de sonegação ou falsificação de documentos.
Com a Reforma Tributária, esse paradigma tende a se expandir.
O não recolhimento do IBS ou CBS — tributos de natureza compartilhada e automatizada — poderá ser interpretado como retenção indevida de valores de terceiros, especialmente quando o sistema de arrecadação for capaz de comprovar a operação e o valor devido em tempo real.
Empresários, administradores e responsáveis contábeis devem estar atentos.
A nova arquitetura tributária pode transformar falhas operacionais em condutas criminalizáveis, sobretudo em empresas que centralizam fluxos digitais ou que dependem de integrações automatizadas com o fisco.
Mais do que uma questão contábil, passa a ser um problema de compliance tributário e responsabilidade penal.
A modernização tributária brasileira é inevitável e necessária. Mas a pressa em automatizar a arrecadação não pode suprimir garantias constitucionais básicas, como o devido processo legal, o princípio da culpabilidade e a distinção entre inadimplência e sonegação.
É dever da advocacia e das entidades empresariais alertar e preparar o contribuinte para essa nova realidade: na era da automação fiscal, o erro pode se tornar crime.
Paulo Ivo Rodrigues Neto
Advogado – OAB/PR 68493
Especialista em Direito Empresarial


