Por Paulo Ivo Rodrigues Neto – Advogado, OAB/PR 68493
A recente movimentação do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, após divergências internas, revela um sintoma preocupante da fragilidade institucional que se instalou nas mais altas esferas do Poder Judiciário. O simples fato de um ministro solicitar sua remoção por incompatibilidade de atuação ou por dissenso de fundamentos entre colegas é um alerta: algo não vai bem na Corte que deveria representar a harmonia, a razão e o equilíbrio da Constituição.
O Supremo Tribunal Federal é, por natureza, o guardião do texto constitucional. A divergência de ideias é não apenas esperada, mas desejável. É nela que o Direito encontra sua vitalidade e capacidade de evolução. Contudo, quando o dissenso se converte em ruptura, e a diferença de entendimentos dá lugar à intolerância ou ao isolamento, perde-se o verdadeiro espírito da colegialidade. O tribunal deixa de ser a “casa da Constituição” para se tornar palco de disputas internas que enfraquecem a confiança pública e desorientam as demais instâncias do Judiciário.
O problema é mais profundo do que aparenta. As decisões monocráticas de grande impacto, a relativização do devido processo legal e a expansão interpretativa de medidas excepcionais — muitas vezes sem amparo claro na lei — criaram um ambiente de insegurança jurídica que já transbordou para fora do Supremo. Juízes de primeiro e segundo grau passaram a reproduzir o mesmo comportamento, sentindo-se autorizados a decidir conforme suas próprias convicções, não raramente em desacordo com os princípios basilares do Estado de Direito.
O que se observa, na prática, é um efeito cascata institucional. Se a Suprema Corte se permite agir fora dos limites da Constituição sob o argumento de excepcionalidade, o exemplo contamina toda a estrutura jurisdicional. E quando a lei deixa de ser o norte, o poder se torna pessoal — e o Direito, arbitrário.
Para a advocacia, o impacto é devastador. A função do advogado, constitucionalmente essencial à administração da Justiça, perde espaço diante de decisões imprevisíveis e personalistas. A técnica, a jurisprudência e a boa-fé processual deixam de garantir segurança às partes. O sistema passa a operar à mercê de interpretações mutáveis, guiadas por contextos políticos e não por princípios jurídicos.
A Constituição de 1988 foi erigida sobre a ideia de contenção do poder. O Supremo não foi concebido para ser um ator político, mas um freio às investidas de qualquer poder — inclusive do próprio Judiciário. Quando ministros se veem compelidos a mudar de turma para manter sua integridade técnica, é sinal de que o equilíbrio interno está comprometido e de que o pacto constitucional precisa ser resgatado com urgência.
Mais do que nunca, é papel da advocacia e das instituições jurídicas reafirmar que nenhum poder é absoluto e que nenhuma autoridade está acima da Constituição. A força do Direito não reside no autoritarismo das decisões, mas na legitimidade de suas razões. E quando o Supremo se distancia desse ideal, o risco não é apenas para os ministros — é para a democracia.
Quando a Corte Suprema passa a atuar de forma polarizada e personalista, perde-se o norte da Constituição, e os reflexos descem em cascata sobre todo o Judiciário.


