Por Paulo Ivo Rodrigues Neto
Advogado – OAB/PR 68493
Brasil na vitrine do autoritarismo judicial
A atuação do ministro Alexandre de Moraes extrapolou as fronteiras nacionais e hoje é alvo de críticas abertas de governos e veículos de imprensa no exterior. Revistas como The Economist já afirmaram que “nenhuma figura encarna tão bem o problema de juízes com poder ilimitado quanto Alexandre de Moraes”. Não se trata de opinião isolada: jornais como The Washington Post e Financial Times qualificaram a postura do ministro como “autoritária”, especialmente no que diz respeito ao bloqueio de contas e plataformas digitais, atingindo empresas como a X (antigo Twitter), e por impor multas a companhias norte‑americanas sem amplo debate colegiado.
O caso recente do bloqueio da rede social X, com imposição de multas milionárias e responsabilização pessoal de executivos estrangeiros, provocou notas oficiais de parlamentares e agências governamentais dos EUA denunciando “censura incompatível com valores democráticos”. Outro episódio emblemático foi o bloqueio do Rumble para todo o território nacional, medida que retirou do ar uma plataforma global de vídeos, afetando milhões de usuários e empresas sem que houvesse devido processo transparente ou análise colegiada, gerando críticas abertas de autoridades estrangeiras e intensos debates na mídia internacional.
Na Europa, editoriais apontaram que tais medidas aproximam o Brasil de práticas de regimes como Turquia e Rússia, que utilizam o Judiciário para controle da narrativa pública.
O resultado é devastador: um país antes visto como modelo de equilíbrio democrático passa a ser associado a um experimento de ativismo judicial sem freios, contaminando investimentos, relações diplomáticas e a confiança internacional.
O ministro e a Lei: quando o guardião da Constituição viola os próprios limites
O artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35/1979) é claro ao estabelecer que o juiz deve “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular” (inciso VIII) e agir com “independência, mas com respeito às instituições”. O artigo 36 vai além: veda a atividade político‑partidária e a manifestação de opiniões que comprometam a imparcialidade do magistrado.
A Constituição, em seu art. 37, caput, impõe à Administração Pública – incluindo o Judiciário – o princípio da impessoalidade, o que se vê frequentemente violado em decisões monocráticas do ministro que, sem debate colegiado, atingem adversários políticos específicos e plataformas que contrariam sua visão de mundo.
Além disso, o art. 93, IX, da Constituição determina que todas as decisões do Judiciário sejam fundamentadas e transparentes. Quando Moraes impõe censura sob sigilo ou com fundamentação genérica (“proteção da democracia”), fere frontalmente esse dispositivo constitucional, restringindo direitos fundamentais (como a liberdade de expressão – art. 5º, IV e IX) sem adequada prestação jurisdicional.
Exemplos concretos
- Bloqueio da X/Twitter: decisão monocrática que impôs censura a perfis e ameaçou responsabilização pessoal de executivos estrangeiros, com forte repercussão nos EUA e críticas diretas do Congresso americano.
- Bloqueio do Rumble em todo o Brasil: medida extrema que retirou do ar uma plataforma de vídeos global, afetando milhões de usuários, com repercussão negativa internacional e críticas à ausência de proporcionalidade e debate colegiado.
- Censura a jornalistas e veículos: casos em que perfis e publicações de jornalistas foram suspensos sem prévia defesa, violando o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).
- Atuação político‑partidária: participação ativa em eventos e manifestações públicas com evidente conotação política, em desacordo com o art. 36, III, da LOMAN.
dispositivos “EM TESE” violados
Norma | Dispositivo | Violação observada |
---|---|---|
CF/88 | Art. 5º, IV e IX | Restrição desproporcional à liberdade de expressão |
CF/88 | Art. 5º, LIV | Ausência de devido processo nas decisões de bloqueio/censura |
CF/88 | Art. 37, caput | Quebra do princípio da impessoalidade |
CF/88 | Art. 93, IX | Falta de fundamentação adequada e publicidade em decisões |
LOMAN (LC 35/79) | Art. 35, VIII | Conduta incompatível com a dignidade do cargo |
LOMAN (LC 35/79) | Art. 36, III | Atuação político‑partidária vedada |
Jurisprudência relevante
- STF – ADPF 130/DF: reafirmou que a liberdade de expressão é pilar da democracia e só pode ser restringida em hipóteses estritas e fundamentadas.
- STF – MS 34.070/DF: limitou a atuação monocrática em medidas de grande impacto, exigindo apreciação colegiada quando há repercussão geral.
- STF – HC 82.424/RS: destacou que o devido processo legal é cláusula pétrea e não pode ser afastado nem sob o argumento de “proteger a ordem pública”.
MINHA crítica
O que se vê é um Supremo refém do personalismo de um único ministro, que atua sem freios, usurpando a função colegiada da Corte e convertendo a toga em instrumento de imposição ideológica. Essa postura degrada a imagem do Brasil no exterior, hoje associado a experimentos autoritários disfarçados de “defesa da democracia”, e fere gravemente a LOMAN, a Constituição e o decoro do cargo, minando a credibilidade da Suprema Corte que deveria proteger a Carta Magna, não reescrevê‑la conforme a vontade de um homem só.
Referências
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
- STF. ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 30/04/2009.
- STF. MS 34.070/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 01/08/2016.
- STF. HC 82.424/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 17/09/2003.
- The Economist, “Brazil’s Supreme Court is going too far”, abril/2024.
- The Washington Post, “Brazil’s digital crackdown undermines democracy”, março/2024.
- Financial Times, “Judicial overreach is Brazil’s new political problem”, maio/2024.