Decisões monocráticas, bloqueio de redes sociais e censura sem devido processo: até onde pode ir um ministro do STF?
Por Paulo Ivo Rodrigues Neto
Advogado
O Brasil sob os holofotes internacionais — e não pelos melhores motivos
O que antes era visto como um Supremo Tribunal Federal guardião da Constituição hoje se tornou motivo de desconfiança internacional. Alexandre de Moraes, que ganhou projeção como defensor da democracia, agora é descrito por veículos como The Economist como “um juiz com poder ilimitado”.
Em editorial de abril de 2024, a revista foi categórica:
“Nenhuma figura encarna tão bem o problema de juízes com poder ilimitado quanto Alexandre de Moraes. O Brasil precisa restaurar os limites entre o que é defesa da democracia e o que é abuso judicial.” (The Economist, abril/2024).
O The Washington Post, em março de 2024, fez um alerta ainda mais duro:
“Ao censurar plataformas e perseguir vozes críticas, o Brasil mina a própria democracia sob o pretexto de protegê‑la. Essa é uma estrada perigosa.” (The Washington Post, março/2024).
Já o Financial Times destacou que o protagonismo judicial brasileiro compromete a estabilidade institucional:
“O excesso de poder individual na Suprema Corte brasileira transformou o tribunal em um ator político, corroendo a credibilidade do sistema democrático.” (Financial Times, maio/2024).
Casos como o bloqueio do Rumble para todo o território nacional, retirando do ar uma plataforma global de vídeos e afetando milhões de usuários, ou o bloqueio da rede social X, com multas milionárias e responsabilização pessoal de executivos estrangeiros, reforçam a crítica de que o Brasil hoje flerta com práticas de países como Turquia e Rússia, onde o Judiciário atua como ferramenta de controle da narrativa pública.
Quando o guardião da Constituição rompe seus próprios limites
A Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) e a Constituição Federal não deixam margem para dúvidas: o magistrado deve atuar com decoro, impessoalidade e respeito à colegialidade.
O art. 35, VIII, da LOMAN obriga o juiz a manter “conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Já o art. 36, III veda a atividade político‑partidária, algo constantemente questionado na postura pública do ministro.
Na Constituição, o art. 93, IX determina que todas as decisões do Judiciário devem ser fundamentadas e transparentes, e o art. 5º, IV, IX e LIV garante a liberdade de expressão e o devido processo legal. Quando um ministro bloqueia redes sociais inteiras ou censura jornalistas sem um processo claro, fere diretamente esses dispositivos.
E há mais: o art. 37, caput, impõe o princípio da impessoalidade à Administração Pública — o que é incompatível com decisões que atingem adversários específicos ou plataformas que contrariam interesses de ocasião.
Exemplos que extrapolam o razoável
- Bloqueio da X/Twitter: decisão monocrática que impôs censura a contas e ameaçou executivos estrangeiros com responsabilização pessoal.
- Bloqueio do Rumble em todo o Brasil: medida extrema que retirou do ar uma plataforma de vídeos global, sem proporcionalidade e sem apreciação colegiada.
- Censura a jornalistas e veículos: perfis suspensos sem prévia defesa, violando o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).
- Atuação com conotação política: participações públicas e declarações que colocam em xeque a imparcialidade exigida pela LOMAN.
O que diz a jurisprudência do próprio STF
O mais irônico é que a própria Suprema Corte já fixou entendimentos que, hoje, o ministro parece ignorar:
- ADPF 130/DF: reafirma que a liberdade de expressão é pilar da democracia e não pode ser restringida por conveniência política.
- MS 34.070/DF: limita a atuação monocrática, exigindo debate colegiado em medidas de grande impacto.
- HC 82.424/RS: reconhece que o devido processo legal é cláusula pétrea e não pode ser afastado sob pretexto de proteger a ordem pública.
até onde vamos tolerar?
Hoje o Supremo parece refém do personalismo de um único ministro, que concentra poderes e subverte o princípio da colegialidade, transformando decisões de enorme repercussão nacional e internacional em atos individuais.
Essa postura desgasta a imagem do Brasil no exterior, hoje associado a experimentos autoritários travestidos de defesa da democracia, e viola frontalmente a Constituição, a LOMAN e o decoro do cargo.
Se a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, quem a guardará quando ela própria ultrapassa os limites que a Carta Magna impõe?
Referências
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
- STF. ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 30/04/2009.
- STF. MS 34.070/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 01/08/2016.
- STF. HC 82.424/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 17/09/2003.
- The Economist, “Brazil’s Supreme Court is going too far”, abril/2024.
- The Washington Post, “Brazil’s digital crackdown undermines democracy”, março/2024.
- Financial Times, “Judicial overreach is Brazil’s new political problem”, maio/2024.