Por Paulo Ivo Rodrigues Neto
O governo Lula anunciou um pacote emergencial para conter os efeitos do tarifão imposto pelos Estados Unidos. Mas sejamos claros: trata-se de um paliativo que não ataca as causas do problema nem prepara o Brasil para os choques que virão.
O tarifão de Trump — que eleva a 50% as tarifas sobre produtos brasileiros — atinge diretamente 35% das nossas exportações. Estamos falando de setores como siderurgia, carne bovina, café e frutas, que geram milhões de empregos diretos e indiretos. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), só na indústria de transformação, o impacto inicial pode representar queda de até 0,7 ponto percentual no PIB em 2025, levando o crescimento projetado para perto de 1% — um passo da recessão técnica.
O governo promete linhas de crédito de até R$ 50 bilhões, postergação de encargos trabalhistas e uma “resposta diplomática”. Mas isso não resolve a quebra de demanda externa, não substitui mercados perdidos nem amortece os efeitos em cadeia sobre empregos e renda. É dinheiro público para manter empresas respirando, enquanto a base produtiva afunda.
Mais grave ainda: o pacote ignora o mercado interno. Sem políticas robustas de estímulo ao consumo, desoneração ampla ou investimentos em inovação, o país permanece dependente da exportação de commodities. E quando os EUA fecham as portas, sobra pouco a fazer.
Estimativas de impacto no PIB e no emprego
- FIEMG calcula perdas de R$ 25,8 bilhões no curto prazo e até R$ 110 bilhões no longo prazo, além da eliminação de até 146 mil empregos formais e informais (Fonte: O Tempo)
- A CNI projeta impacto de 0,16% do PIB, ou cerca de R$ 19,2 bilhões/ano, e cerca de 110 mil empregos em risco .
- Outras estimativas projetam queda de 0,13% a 0,6% do PIB em 2025, com risco de até 146 mil vagas serem perdidas .
Mesmo bancos e gestoras mais moderadas, como XP, Daycoval e Monte Bravo, estimam perdas entre 0,10 p.p. e 0,20 p.p. no PIB — relativamente modestas, mas consistentes com retração de exportações da ordem de US$ 3,5–4 bilhões .
Setores mais afetados
Segundo a Logcomex, os principais setores em risco são agronegócio (pecuária, café), siderurgia, celulose, calçados, máquinas e madeira . A CNN Brasil alerta que produtores menores — mel, peixes, granito — enfrentam impacto imediato, já que dependem fortemente do mercado americano .
Embora ainda não se tenha publicado notas formais, setores como CNI, CNA, Abiec veem a medida com preocupação. A CNI estima alta vulnerabilidade empresarial: impacto direto no PIB e no emprego formal e informal . Produtores de carne e café — sem isenção — apontam risco real de colapso das exportações e aumento do desemprego regional.
Por que o pacote do governo não é suficiente — e a recessão se aproxima
1. Insuficiência do remédio
As medidas anunciadas (crédito subsidiado, lay-off, FGTS suspenso) lembram os remédios da pandemia — mas chegam tarde e sem amplitude para setores sem exportação significativa. Podem evitar a falência de alguns exportadores, mas não compensam a perda estrutural de demanda.
2. Macroimpacto limitado não evita microefeitos
Embora a maioria das projeções indique impacto limitado no PIB nacional (em torno de 0,15 p.p.), os impactos regionais podem ser severos — especialmente no Nordeste, onde a pauta depende de exportações de baixo valor agregado que enfrentam tarifa cheia .
3. Setores estratégicos desprezados
A ênfase está na exportação. Mas não há estímulos robustos ao mercado interno — consumo, investimentos, inovação industrial ou recuperação logística. Sem isso, o encolhimento da produção e do consumo doméstico impulsiona a recessão dentro do próprio país.
4. Cenário fiscal falso
A promessa de impacto fiscal “contido” ignora os efeitos secundários: desemprego elevado pressiona seguridade social, redução na arrecadação e elevação dos gastos públicos — sobretudo se houver crise social.
E concluo
O governo federal prepara uma resposta focada nos exportadores, especialmente aos EUA — mas ignora o mercado interno, que é a base da economia nacional. Com isso:
- Exportações recuam, rendimentos caem, desemprego regional aumenta;
- O consumo doméstico encolhe, levando fabricantes e serviços à crise;
- Sem estímulos estruturais, a recessão interna se torna mais provável.
Ainda que o PIB nacional tenha impacto limitado (0,1 p.p. a 0,6 p.p.), os efeitos microeconômicos localizados, combinados com a ausência de políticas de alavancagem interna, desenham um cenário em que 2025 se torna o ano da falência silente do mercado interno brasileiro.
Se o governo quiser evitar que a crise externa se transforme em recessão doméstica, precisará ir além do remendo emergencial: fomentar a demanda interna, investir em reindustrialização e rever sua estratégia comercial.
E há um fator incômodo que precisa ser dito: o próprio Supremo Tribunal Federal ajudou a criar o ambiente que enfraqueceu o Brasil frente ao tarifão. Decisões recentes que elevaram o “custo Brasil” — como mudanças em regras tributárias, insegurança em incentivos fiscais e interferências em políticas econômicas — reduziram a competitividade das exportações e passaram a mensagem de instabilidade jurídica a parceiros internacionais. Trump encontrou um Brasil juridicamente fragilizado, dividido internamente e sem musculatura para negociar de igual para igual.
Se o governo não enfrentar também esses entraves — inclusive rever com o STF o impacto de suas decisões sobre a economia real —, 2025 será lembrado como o ano em que o país assistiu, de braços atados, ao colapso do seu mercado interno.


