Por Paulo Ivo Rodrigues Neto

O debate público brasileiro tem sido marcado pela retórica da “tentativa de golpe de Estado” atribuída a presidentes e candidatos. Mas é preciso cuidado: como pode um presidente, já empossado, “dar um golpe” contra si mesmo, estando sentado na cadeira da Presidência? E, mais ainda, como falar em golpe de alguém sequer eleito?

Enquanto essa narrativa se espalha, quase nada se fala de outro risco real: o de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao extrapolarem os limites constitucionais de sua função, podem gerar o que se poderia chamar de um “golpe jurídico” contra o Estado Democrático de Direito.


O conceito clássico de golpe

Golpe de Estado significa a ruptura da ordem constitucional para tomar ou manter poder. Normalmente, é associado a quarteladas, insurgências militares ou governos autoritários.

Um presidente no cargo pode sim protagonizar uma tentativa de golpe — não contra si próprio, mas contra os limites institucionais que freiam o seu poder. Fujimori no Peru e Hitler na Alemanha são exemplos históricos.

Já um candidato derrotado ou presidente ao final do mandato não pode “dar golpe” para permanecer no cargo, pois simplesmente não tem mais o cargo. O que pode haver é uma tentativa de fraudar ou impedir a posse do eleito — o que é sedição ou conspiração, mas não “golpe presidencial”.


O golpe que ninguém nomeia: o “golpe jurídico”

Se o presidente dificilmente pode dar um golpe contra si mesmo, o mesmo não se pode dizer de outro ator institucional: o Poder Judiciário.

No Brasil, o STF tem se posicionado como árbitro supremo de todas as disputas políticas, jurídicas e até morais da sociedade. Essa hipertrofia de poder ocorre quando ministros:

  • reinterpretam a Constituição ao sabor do momento político, violando a segurança jurídica;
  • usurpam funções do Legislativo e do Executivo, legislando ou governando por decisões monocráticas;
  • aplicam medidas cautelares desproporcionais e sem base legal clara, afetando direitos fundamentais;
  • atuam seletivamente, o que compromete a imparcialidade e a própria confiança no Judiciário.

Quando tais práticas se consolidam, a consequência é grave: instabilidade política, insegurança econômica, retração de investimentos e descrédito das instituições. Esse cenário é muito mais próximo de um “golpe contra o Estado Democrático de Direito” do que o suposto golpe de um presidente contra si mesmo.


O verdadeiro risco ao Estado de Direito

O art. 2º da Constituição consagra a separação e a harmonia entre os Poderes. Quando qualquer deles se sobrepõe, rompe-se esse equilíbrio.

Um presidente que queira perpetuar-se no poder é um risco visível e historicamente reconhecido. Mas um Supremo que decide de forma discricionária, sem freios internos e sem responsabilização prática, cria um risco silencioso, porque ocorre sob a aparência de legalidade.

Esse “golpe jurídico” é ainda mais perigoso: não precisa de tanques nas ruas, mas mina a confiança de toda a sociedade na própria Constituição.


E concluo

O “golpe de presidente contra si mesmo” é, em boa medida, um paradoxo retórico. Já o “golpe jurídico”, praticado por um tribunal que deveria ser guardião da Constituição, mas passa a se colocar acima dela, é um risco real e concreto.

E aqui não se trata de defender presidentes, partidos ou ideologias. Como cidadão brasileiro, resta-me apenas ser submetido às consequências dessa guerra de egos inflados: a instabilidade política, a recessão, a alta nos preços e a perda de confiança no futuro.

No fim, quem paga a conta de todos esses excessos não são os políticos, nem os juízes, mas o povo que sustenta a República.

Se quisermos preservar o Estado Democrático de Direito, precisamos olhar para além da narrativa política: é preciso exigir limites institucionais claros, respeito ao texto constitucional e responsabilização efetiva de todos os Poderes.