Por Paulo Ivo Rodrigues Neto – advogado de famílias há mais de 12 anos.
Caminhos jurídicos legítimos para o genitor que não detém o lar de referência
A judicialização das relações familiares exige do advogado um cuidado redobrado com a forma e o conteúdo das intervenções, sobretudo quando envolvem crianças e adolescentes. Em contextos de dissolução conjugal, não é incomum que o genitor ou a genitora que não detém o lar de referência se sinta juridicamente limitado diante da manifestação do filho ou da filha no sentido de desejar residir com o outro responsável legal.
Neste artigo tento manter o caráter estritamente informativo e reflexivo, com o objetivo de apresentar caminhos jurídicos legítimos, éticos e tecnicamente adequados para a análise de pedidos de revisão de guarda, sempre à luz do melhor interesse da criança ou do adolescente, sem estímulo à litigância temerária ou à instrumentalização da vontade infantil.
O regime jurídico da guarda no ordenamento brasileiro
A guarda compartilhada é, atualmente, a regra no sistema jurídico brasileiro, nos termos do Código Civil. Trata-se de modelo que privilegia a corresponsabilidade parental, independentemente da divisão equitativa do tempo de convivência.
A guarda unilateral constitui exceção e, como tal, pressupõe demonstração de circunstâncias específicas, como risco, incapacidade ou omissão grave de um dos responsáveis legais. Assim, qualquer pedido de modificação do regime de guarda deve partir da análise do contexto fático vigente, e não de disputas pretéritas entre os genitores.
A manifestação da criança: relevância jurídica e limites
A vontade da criança ou do adolescente não é juridicamente irrelevante, mas tampouco é absoluta. O ordenamento jurídico brasileiro reconhece o direito à escuta, respeitando-se a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
É imprescindível distinguir:
- manifestações espontâneas e recorrentes, compatíveis com o estágio de desenvolvimento;
- discursos induzidos por conflitos parentais;
- manifestações que indiquem sofrimento emocional ou risco efetivo.
A escuta da criança deve ocorrer por meios técnicos e protegidos, jamais por exposição direta ao litígio judicial.
A escuta especializada como instrumento de proteção
A atuação de órgãos como o Conselho Tutelar e de profissionais da psicologia cumpre papel relevante na formalização da escuta qualificada. Esses registros não têm, por si, caráter decisório, mas subsidiam a compreensão do contexto emocional e social em que a criança está inserida.
A escuta especializada visa compreender, e não confirmar narrativas, respeitando-se a dignidade da criança e evitando sua instrumentalização.
A prova técnica e o papel dos laudos psicológicos
Em ações de família, a prova técnica assume palco central. O laudo psicológico, seja extrajudicial, seja produzido no curso do processo, permite avaliar:
- vínculos afetivos;
- estabilidade emocional;
- rotinas familiares;
- capacidade de cada responsável legal em atender às necessidades da criança.
Importante destacar que o objetivo do laudo não é apontar culpados, mas indicar o ambiente mais adequado ao desenvolvimento saudável.
O ambiente familiar e a vida cotidiana como elementos probatórios
A análise judicial não se limita a discursos processuais. Fotografias, registros de convivência, demonstração de participação na vida escolar e de saúde, bem como a organização da rotina, são elementos que revelam a realidade vivenciada pela criança.
Da mesma forma, condutas públicas dos responsáveis legais, especialmente aquelas que expõem a criança a conflitos ou instabilidade emocional, podem ser juridicamente relevantes quando demonstram impacto direto em seu bem-estar.
A escola como fonte qualificada de informação
O ambiente escolar funciona como verdadeiro termômetro do desenvolvimento infantil. Queda de rendimento, alterações comportamentais e dificuldades de socialização frequentemente refletem conflitos externos.
Declarações escolares, relatórios pedagógicos e histórico de participação dos responsáveis legais constituem prova objetiva, valorizada pelo Judiciário, por se tratar de instituição neutra.
Coparentalidade, boa-fé e postura processual
A postura do genitor ou da genitora ao longo do conflito é observada com atenção. Tentativas documentadas de diálogo, abertura à mediação e cumprimento rigoroso das decisões judiciais demonstram maturidade parental e respeito ao princípio da cooperação.
A litigância familiar exige responsabilidade, sob pena de agravar o sofrimento da criança e comprometer a própria pretensão revisional.
Medidas jurídicas possíveis e limites éticos
A depender do caso concreto, podem ser analisadas medidas como:
- ações revisionais de guarda;
- pedidos de ajuste do lar de referência;
- ampliação progressiva da convivência;
- estudos psicossociais judiciais.
Tais medidas devem ser adotadas com parcimônia, sempre precedidas de avaliação técnica e jurídica adequada, evitando-se o uso do processo como instrumento de retaliação.
A conciliação como via prioritária de proteção à criança
Independentemente do regime de guarda vigente ou da posição ocupada no processo, a tentativa de conciliação deve ser sempre considerada a primeira e melhor via pelos genitores. A solução consensual dos conflitos familiares não representa fragilidade, mas maturidade emocional e responsabilidade parental.
Quando os responsáveis legais conseguem suspender disputas de ego, ressentimentos pessoais ou necessidades de validação, e passam a atuar de forma cooperativa, o foco naturalmente se desloca para aquilo que efetivamente importa: a preservação do interesse superior da criança e de sua saúde mental.
A conciliação permite:
- reduzir a exposição da criança ao conflito;
- evitar a judicialização excessiva da vida familiar;
- construir soluções flexíveis e adaptáveis à realidade cotidiana;
- preservar vínculos afetivos essenciais ao desenvolvimento emocional.
Além disso, acordos construídos de forma consciente tendem a ser mais duradouros e respeitados, pois nascem do comprometimento real dos genitores, e não de uma imposição externa.
Do ponto de vista jurídico, a postura conciliatória é igualmente relevante. O Judiciário valoriza genitores que demonstram capacidade de diálogo, cooperação e foco na parentalidade, compreendendo que o processo judicial deve ser última ratio, e não o primeiro instrumento de resolução.
Assim, antes de qualquer medida contenciosa, recomenda-se que os genitores busquem:
- mediação familiar,
- diálogo assistido por profissionais,
- ajustes progressivos na convivência,
- construção conjunta de soluções voltadas à criança.
Preservar a saúde mental dos filhos exige, muitas vezes, que os adultos renunciem à lógica da vitória para assumir a responsabilidade do cuidado. Esse é, em última análise, o verdadeiro exercício da parentalidade após a ruptura conjugal.
REFLEXÃO FINAL
A revisão do regime de guarda deve ser compreendida como um instrumento de proteção à criança, e não como um mecanismo de disputa entre genitores. Sempre que possível, a conciliação se apresenta como a melhor solução, pois permite que os responsáveis legais deixem de lado interesses pessoais e controvérsias do relacionamento conjugal para concentrar esforços naquilo que realmente importa: o bem-estar e a saúde mental dos filhos.
O diálogo assistido, a mediação familiar e a construção de soluções consensuais reduzem a exposição da criança ao conflito, preservam vínculos afetivos e favorecem decisões mais equilibradas e duradouras. Quando os genitores assumem postura cooperativa, demonstram maturidade parental e respeito ao princípio do melhor interesse da criança, que deve orientar toda e qualquer intervenção jurídica.
A via judicial, embora legítima, deve ser reservada às situações em que a conciliação se mostra inviável ou insuficiente para proteger a criança ou o adolescente. Nesses casos, a atuação técnica, responsável e ética continua sendo essencial para minimizar impactos emocionais e garantir que o processo não se torne mais um fator de sofrimento.
Preservar os filhos exige, muitas vezes, que os adultos renunciem à lógica da vitória individual para assumir a responsabilidade compartilhada do cuidado. Essa é a essência da parentalidade e o verdadeiro objetivo do Direito de Família.


