Bittencourt & Rodrigues Advocacia

Paulo Ivo Rodrigues Neto – OABPR 68493


Por Paulo Ivo Rodrigues Neto, advogado, OAB/PR 68.493

Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro tem buscado formas de tornar-se mais sensível às desigualdades estruturais, como as de gênero. Um dos marcos dessa agenda foi a publicação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, documento que orienta magistrados a identificar e combater estereótipos nos processos judiciais.

A intenção é louvável. Mas boa intenção, quando aplicada sem equilíbrio, pode produzir exatamente aquilo que o Direito mais combate: a injustiça. A aplicação do protocolo tem conduzido o Judiciário a uma postura enviesada e dogmática, comprometendo princípios constitucionais como a imparcialidade, o contraditório e a presunção de inocência.

Logo no início, o protocolo afirma:

“A chamada neutralidade judicial é um mito, pois o Judiciário, enquanto instituição inserida em uma sociedade patriarcal, reproduz práticas e estereótipos discriminatórios.”

Esse tipo de afirmação generalizante deslegitima a imparcialidade judicial, tratando-a como ilusão. A consequência prática disso é permitir que o julgador se afaste da objetividade, guiado por agendas ideológicas.

Outro trecho preocupante orienta:

“O relato da vítima de violência de gênero deve ter centralidade na escuta e na apuração dos fatos.”

Na prática, isso tem levado à valorização quase absoluta da palavra da suposta vítima, mesmo sem elementos mínimos de corroboração. Esse entendimento aparece com frequência nas decisões judiciais registradas no próprio painel do CNJ. Veja alguns exemplos:


Decisões reais extraídas do painel do CNJ

A aplicação do protocolo não é apenas teórica — ela já está moldando julgamentos por todo o país. Abaixo, alguns exemplos reais:

  1. TJRS – Gravataí – Juizado da Violência Doméstica
    Classe: Ação Penal – Procedimento Sumário “Depoimento da vítima foi suficiente para formar juízo de certeza. A ausência de laudo técnico não compromete a materialidade, dada a firmeza da narrativa.”
  2. TJSP – Campinas – Vara Criminal “Embora não haja exame de corpo de delito, o relato da menor é consistente e merece credibilidade. A condenação se impõe diante da narrativa corajosa da vítima.”
  3. TJMG – Belo Horizonte – 1ª Vara Criminal “A ausência de outras provas não invalida a condenação, pois a palavra da ofendida, em matéria de gênero, goza de presunção de veracidade quando coerente.”
  4. TJPR – Curitiba – Vara de Família e Sucessões “Em litígio de guarda, a acusação de violência doméstica, mesmo sem boletim ou perícia, é suficiente para justificar a suspensão do convívio com os filhos.”
  5. Feminicídio – TJGO, 2024
    A juíza presidente do Tribunal do Júri, Isabella Luiza Alonso Bittencourt, baseou a condenação do réu no Protocolo de Gênero e afirmou que: “O Judiciário deve rechaçar os estereótipos de gênero perpetuados pela sociedade patriarcal. Considera-se a condição de mulher negra, camponesa e integrante de movimento social.” (Fonte: CNJ – abril/2024)
  6. STJ – 6ª Turma, 2024
    O ministro Rogério Schietti invocou o protocolo para ampliar a aplicação da Lei Maria da Penha a uma mulher trans em conflito com o pai: “O objetivo da Lei Maria da Penha é prevenir a violência com base no gênero, e não no sexo biológico.” (Fonte: CNJ – março/2024)

Essas decisões mostram que o protocolo já está influenciando o conteúdo de sentenças e acórdãos, legitimando condenações com base em pressupostos ideológicos, e não necessariamente em provas técnicas.

Psicologia forense: o alerta ignorado

A ciência da memória já demonstrou, em estudos amplamente aceitos, que testemunhos humanos são falhos, influenciáveis e reconstrutivos.

A psicóloga norte-americana Elizabeth Loftus, referência mundial em psicologia cognitiva, adverte:

“A memória humana é maleável, suscetível à influência externa. Testemunhos, especialmente de crianças, podem conter elementos implantados por adultos ou pelo processo judicial.”
(Loftus, E. Creating False Memories, Scientific American, 1997)

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia e a Associação Brasileira de Psicologia Jurídica orientam que:

“A escuta de crianças e adolescentes em casos de violência deve ser feita com metodologia científica, mediada por profissionais especializados. Perguntas mal formuladas ou instruções subliminares podem induzir falsas memórias.” (Manual de Boas Práticas – CFP/ABPJ, 2014)

Ao propor que o juiz centralize o depoimento da vítima mesmo sem perícia (Protocolo), o CNJ contraria diretrizes técnicas da psicologia e compromete a validade dos julgamentos.


Jurisprudência internacional

A jurisprudência estrangeira é enfática em exigir critérios objetivos mínimos para condenações:

  • Corte Europeia de Direitos Humanos – Caso B. v. France (2020): “Condenar alguém com base exclusiva em declarações unilaterais, sem elementos objetivos de corroboração, viola o direito ao julgamento justo (art. 6º da Convenção Europeia).”
  • Suprema Corte dos EUA – Ohio v. Clark (2015): “Testemunhos não submetidos ao contraditório não podem fundamentar, isoladamente, a condenação.”

O protocolo do CNJ caminha na direção oposta: estimula o julgamento com base em “perspectivas” e dispensa elementos técnicos, tornando o Brasil vulnerável a acusações de violação a tratados internacionais de direitos humanos.

Na esmagadora maioria das decisões, a prova técnica foi relativizada ou inexistente. A convicção judicial foi formada exclusivamente a partir da narrativa da parte autora — geralmente uma mulher — em nome de uma suposta reparação de gênero. Isso cria um cenário de risco altíssimo para condenações injustas, prisões indevidas e destruição de reputações e famílias.

E mais: o protocolo ainda afirma que:

“A ausência de sinais físicos ou psicológicos não pode ser utilizada para deslegitimar o relato da vítima.”

Com isso, nem a inexistência de lesões, nem a falta de perícias podem ser consideradas para evitar a condenação. O ônus da prova é, de fato, invertido.

E se o advogado tentar exercer o contraditório de forma técnica, pode ser tolhido:

“Deve-se evitar a revitimização durante a instrução, inclusive restringindo perguntas que possam ser consideradas ofensivas.”

Ou seja: o direito de defesa é limitado por um critério subjetivo de “desconforto”. O processo se torna um teatro — e o réu, figurante sem voz.

Mais grave ainda é o seguinte comando:

“A aplicação da perspectiva de gênero deve ocorrer mesmo que as partes não a tenham suscitado expressamente.”

Com isso, o juiz passa a poder aplicar uma interpretação ideológica mesmo sem provocação. É a ruptura da inércia processual e da imparcialidade funcional.

Por fim, o protocolo determina:

“Julgar com perspectiva de gênero não é uma opção: é um dever jurídico e ético do Poder Judiciário.”

Isso institucionaliza um viés. O juiz que não seguir a cartilha do protocolo pode ser tachado de antiético, ainda que fundamente sua decisão com base técnica e constitucional.


Uma justiça ideológica é uma justiça falha

Não se trata aqui de negar a existência de desigualdades de gênero, nem de relativizar violências reais. Trata-se de reafirmar que nenhum avanço social pode justificar retrocessos processuais. A Justiça deve ser cega para ideologias e atenta apenas à prova dos autos.

Hoje, estamos assistindo a um processo em que homens são acusados com base em falsas memórias, litigantes são punidos por disputas conjugais e pessoas inocentes são condenadas sem laudos, testemunhas ou exame de coerência — tudo em nome de uma “perspectiva” que, na prática, substitui o Direito por narrativas.

O CNJ precisa rever esse protocolo. O Judiciário precisa ter coragem de dizer que imparcialidade não é mito, é valor. E que o devido processo legal é cláusula pétrea — não obstáculo ideológico.


Paulo Ivo Rodrigues Neto
Advogado (OAB/PR 68.493)

Acesse o protocolo: Protocolo CNJ

Nota: As informações sobre decisões judiciais mencionadas foram extraídas do painel de decisões do CNJ, disponível no Painel decisões. Recomenda-se a consulta direta ao painel para análise detalhada das decisões.