Bittencourt & Rodrigues Advocacia

Paulo Ivo Rodrigues Neto – OABPR 68493


Por Paulo Ivo Rodrigues Neto

O termo fake news ganhou notoriedade nos últimos anos, sobretudo em contextos eleitorais, pandêmicos e de polarização política. Compreendida como a divulgação intencional de informações falsas para manipular a opinião pública, ela passou a ser combatida em várias frentes — tecnológicas, legislativas e judiciais. No entanto, a reação do sistema de Justiça brasileiro vem gerando inquietações quanto à proporcionalidade das condenações e ao respeito às liberdades civis.

O Que São Fake News?

Fake news não são meramente informações erradas. São conteúdos falsos disseminados com dolo: com o objetivo deliberado de enganar, influenciar ou manipular. Podem ser veiculadas por indivíduos, grupos ou até agentes estatais, por diversos meios — redes sociais, aplicativos de mensagem, portais, entre outros.

Mas o conceito é fluido. Sua manipulação conceitual pode servir a interesses escusos, permitindo que críticas legítimas sejam rotuladas como desinformação. Esse risco é ainda maior quando o Judiciário atua sem critérios técnicos, baseando-se em impressões subjetivas.

Judicialização e a Escalada das Penas

No Brasil, a repressão às fake news, especialmente por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem assumido contornos alarmantes. O que começou como uma reação ao abuso do poder comunicacional em eleições transformou-se numa política de repressão severa — com condenações milionárias, censura prévia e criminalização de opiniões.

Casos recentes mostram:

  • Indenizações civis de valores desproporcionais (acima de R$ 100 mil) por publicações sem provas claras de dano efetivo;
  • Remoções e bloqueios de perfis com base em decisões liminares monocráticas;
  • Ordens de prisão e investigação criminal baseadas em conteúdos subjetivamente considerados “antidemocráticos”.

Esse cenário representa uma guinada preocupante do Judiciário para o papel de guardião da verdade oficial, sem critérios legais claros para distinguir a crítica política da desinformação dolosa.

A Liberdade de Expressão em Risco

A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Está prevista no art. 5º, IV e IX da Constituição Federal e é condição necessária para o livre debate de ideias.

Quando o Judiciário atua como árbitro do discurso público, sem contraditório e com punições desproporcionais, a liberdade de expressão deixa de ser garantida e passa a ser tolerada apenas dentro dos limites impostos pelos próprios julgadores.

Como lembra o jurista Luís Roberto Barroso (antes de compor o STF), “liberdade de expressão protege inclusive ideias erradas, impopulares ou ofensivas” (Destaquei), exceto quando houver incitação à violência ou evidente risco concreto.

Fake News Como Justificativa para o Autoritarismo Judicial

O combate às fake news, se feito sem freios constitucionais, abre brechas para um ativismo judicial autoritário. Em vez de promover a verdade, estimula o controle do discurso, especialmente quando o alvo são opositores políticos ou veículos de comunicação independentes.

É essencial lembrar que o direito de errar também está protegido pela liberdade de expressão. O Estado não pode punir opiniões equivocadas com a mesma severidade com que se pune calúnia dolosa ou discurso de ódio.

Propostas para um Combate Justo e Democrático

  1. Definir legalmente o que são fake news dolosas com critérios objetivos (intenção de enganar, dano potencial ou concreto, disseminação massiva);
  2. Evitar censura prévia, respeitando o devido processo legal e o contraditório;
  3. Graduar sanções com proporcionalidade, evitando condenações milionárias sem lastro em danos reais;
  4. Investir em educação midiática como forma de prevenção à desinformação;
  5. Respeitar o pluralismo político e ideológico, mesmo quando expressado de forma ácida ou polêmica.

Conclusão

O combate às fake news é necessário, mas não pode justificar a erosão de direitos fundamentais. A Justiça não pode se tornar um instrumento de repressão política ou de controle do pensamento. As condenações sistemáticas e exorbitantes que vêm sendo proferidas representam um risco real ao Estado Democrático de Direito, e exigem crítica, vigilância e responsabilidade de toda a sociedade.