Por Paulo Ivo Rodrigues Neto

A prisão preventiva, concebida como medida cautelar de caráter excepcional, tem sido aplicada de maneira cada vez mais desproporcional em casos envolvendo a Lei Maria da Penha. Sob a justificativa ampla e, muitas vezes, imprecisa da “garantia da ordem pública”, magistrados vêm decretando prisões com base em conceitos abertos e altamente subjetivos, que variam conforme a percepção individual de cada julgador. Esse fenômeno revela não apenas a fragilidade do critério, mas também o risco de transformar a exceção em regra.

O pano de fundo dessa prática é um punitivismo exacerbado, que se intensifica diante de crimes de forte repercussão midiática. Casos emblemáticos, como o do agressor que desferiu mais de sessenta socos contra sua namorada, chocam a opinião pública e provocam um natural anseio por respostas rápidas e severas. No entanto, tais episódios acabam servindo como paradigma para todos os demais casos, levando o Judiciário a adotar posturas generalistas, colocando todos os acusados “na mesma vala comum”, sem a devida individualização das condutas e sem analisar os elementos favoráveis ao acusado.

Esse movimento revela o que Günther Jakobs denominou Direito Penal do Inimigo: a antecipação da punição não pelo que o agente fez, mas pelo que supostamente representa em termos de perigo para a sociedade. Assim, o acusado de violência doméstica é tratado não como sujeito de direitos, mas como inimigo a ser neutralizado, perdendo a presunção de inocência e a proteção de garantias fundamentais. O processo, em vez de servir à busca da verdade e da justiça, passa a ser instrumento de neutralização.

A questão não se limita à crítica acadêmica: na prática, o justiçamento judicial cria uma perigosa erosão do Estado Democrático de Direito. Ao adotar a lógica da generalização, o Judiciário ignora as nuances de cada caso, os contextos relacionais complexos, as provas que podem enfraquecer a acusação e até mesmo os elementos que atenuam ou afastam a necessidade de uma prisão cautelar. A prisão preventiva passa a ser aplicada como regra, e não como exceção, em clara afronta ao art. 312 do CPP e ao princípio da proporcionalidade.

Não se trata, evidentemente, de desmerecer a dor das vítimas nem de minimizar a gravidade da violência doméstica, que constitui um grave problema social e demanda respostas firmes. A crítica dirige-se à adoção de soluções simplistas, que cedem ao clamor midiático e transformam o Judiciário em instância de justiçamento, afastando-se de seu papel garantidor. A aplicação irrefletida da prisão preventiva, nessas circunstâncias, mais atende à lógica do espetáculo do que ao ideal de justiça.